Post de 31/01/2024

Por que amei "Vidas Passadas".

Palavras são desnecessárias

Por que amei "Vidas Passadas".

Por Ieda Marcondes em 31/01/2024


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Estou produzindo um podcast novo e sem muito tempo pra escrever, mas no Cinemático de “Vidas Passadas”, comentei que tinha uma historinha de infância pra contar, mas que não tinha tempo. Conto aqui.

Quando eu era bem pequena, tinha crises de choro tão intensas que eu me sufocava. Meus pais já estavam acostumados a soprar no meu rosto para que eu me “lembrasse" de respirar – o que acontecia depois de uns longos segundos de pânico.

Não sei se o meu cérebro já era capaz de fazer certas associações (os psicólogos costumam acreditar que sim), mas chuto que eu guardei o seguinte: se eu deixasse as emoções tomarem conta de mim, eu morreria.

Há evidências de que eu registrei essa conclusão. Sempre senti repulsa por melodramas, tragédias, dramalhões. E sempre senti uma admiração estranha por filmes em que os personagens não podiam expressar seus sentimentos livremente – romances vitorianos, a obra do cineasta Yasujiro Ozu.

Na faculdade, fui obcecada pelo terror japonês da virada do século 20 para o século 21 – a Sadako saindo do poço era como uma emoção reprimida bem no lá fundo e que ressurgia justamente para matar. Eu queria me comunicar por metáforas, por imagens, mas nunca verbalmente.

Na pós-graduação, meu trabalho de conclusão foi sobre o comediante Buster Keaton, conhecido na década de 1920 como “o grande rosto de pedra”. Keaton era muito expressivo, mas de uma forma estoica que contrastava com a sua fiscalidade absurda.

Era evidente que eu queria viver a vida assim, impassível, inabalável – segura. Com um turbilhão de sentimentos dentro de mim, mas sem nunca parecer vulnerável, sem nunca correr perigo. No conforto da minha casa, quando vejo filmes de terror, penso: “bom, eu nunca me colocaria nessa situação”.

E, mesmo assim, sigo escrevendo, sigo falando – escapando dos limites da crítica de cinema profissional para abordar temas pessoais. É uma contradição, mas nem tanto. Há uma barreira (da tela do computador, da caixinha de som) que me mantém a salvo. O desejo pela conexão e o medo mortal do sofrimento caminham juntos. E é por isso que amei “Vidas Passadas”.


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