Os gladiadores de Megalópolis

As obras dos diretores Ridley Scott e Francis Ford Coppola como reflexões artísticas diante da finitude da vida.

Faça um joinha pra mim! Apoie o meu trabalho! apoia.se/iedamarcondes

Na mente masculina, o Império Romano é tão presente quanto o Pedro Pascal nos castings de Hollywood. Em 2023, um meme do TikTok escancarou a fascinação que os homens têm por imperadores, centuriões, gladiadores e seus distintos narizes aquilinos. Nos cinemas, Roma também permeia as fantasias másculas de dois deuses da sétima arte.

“Megalopolis”, de Francis Ford Coppola, e “Gladiador 2”, de Ridley Scott – este último com uma inspiração mais direta do que o primeiro – tratam de uma capital dos sonhos, em que a justiça e a coragem prevalecem. Mas lidam também com o desejo de parar o tempo com um estalar dos dedos e de talhar um legado que ecoe por toda a eternidade.

Scott tem 86 anos e Coppola, que esteve recentemente no Brasil, tem 85. É fácil encarar as duas obras como reflexões artísticas diante da finitude da vida. E, apesar de compartilharem a megalomania típica das aspirações masculinas, ambos cineastas demonstram posturas diferentes no enfrentamento da morte.

O diretor britânico está numa corrida contra o relógio – chegou, inclusive, a se gabar por ter lançado quatro longas no mesmo período em que Martin Scorsese produzia um único filme. É discutível, porém, se “Todo o Dinheiro do Mundo”, “O Último Duelo”, “Casa Gucci” e “Napoleão” valem por um “Assassinos da Lua das Flores”.

“Gladiador 2”, por sinal, sofre do mesmo roteiro desconjuntado que tanto atrapalhou “Napoleão”. Com a diferença que Joaquin Phoenix, neste momento de sua carreira, é um ator completo. Já Paul Mescal, o jovem queridinho de joias independentes como “Aftersun”, não faz uma boa transição para o blockbuster.

O chileno Pedro Pascal, já um pouco mais experiente, também não recebe muitas oportunidades para brilhar como o intrépido General Acacius. Quem coloca o épico debaixo do braço e sai correndo é mesmo o veterano Denzel Washington que, sem nada a provar a ninguém, é o único que se diverte com o próprio papel.

Temos, então, um repeteco desnecessário e mal ajambrado dos temas do original de 2000, mas diluído por tentativas falidas de dar uma dimensão maior à trama da vingança (escorada, como de praxe, em mais uma esposa morta). Tanto Scott como Coppola arriscam comentários políticos, com paralelos entre a decadência romana e a ruína dos Estados Unidos, mas ambos sem grandes insights.

Acostumado ao ritmo industrial, Sir Scott parece decidido a cair morto em algum set de filmagem, pulando de uma produção medíocre para a outra, porque feito é melhor do que perfeito. Já Coppola batalhou por “Megalopolis” durante quatro décadas – e para evitar qualquer tipo de renúncia artística, tratou de financiar a coisa toda.

Uma das escolhas artísticas de Coppola, da qual não abriu mão, foi o desfile de atores “cancelados” por denúncias de abuso, como Dustin Hoffman e Jon Voight. Shia LaBeouf, que ainda está em disputa judicial com a cantora FKA Twigs, faz um vilão afeminado que parodia Trump – o tropo esfarrapado do autoritário que é um gay enrustido.

“Megalopolis” tem esse bolor de um cineasta que, por se recusar a questionar qualquer ideia ou ponto de vista que tenha tido nos últimos quarenta anos, acabou congelado no tempo. É óbvio que Cesar Catilina, papel de Adam Driver, é um avatar constrangedor de Coppola – um gênio incompreendido, perseguido pela mídia e pelos poderosos, que conquista mulheres com insultos e desperta a inveja de seus concorrentes patéticos.

Para aceitar a morte, Coppola recorre à vaidade e ao ressentimento paranoico. Na campanha de marketing de “Megalopolis”, foram divulgadas críticas negativas de “O Poderoso Chefão” totalmente inventadas pela inteligência artificial. Dando a entender que deveríamos ignorar a opinião da imprensa, pois o diretor sempre foi atacado de maneira injusta.

É uma mania de perseguição tão poderosa que até as memórias de Coppola parecem ter sido alteradas. De repente, ele não é mais um dos nomes mais celebrados da história do cinema, mas um autor maldito que nunca recebeu os louros devidos. A ilusão de um complô maléfico é bastante conveniente, pois transforma as próprias acusações de assédio em meras intrigas da oposição.

Em “Megalopolis”, o par romântico de Cesar tem a função de informar aos demais (e ao próprio espectador) que o protagonista tem uma alma linda, mesmo que não demonstre e que todos os outros pensem o contrário. É um amor incondicional que brota do nada e que só faz sentido na mente de um homem com delírios de grandeza.

Para o cineasta, é provável que a morte e a subsequente reanálise de seu legado artístico (que é o que realmente lhe atormenta) sejam mais algumas das inúmeras injustiças perpetradas contra ele. No momento da passagem, ainda pensando no Império Romano, talvez se vire para o Ceifador e pergunte “até tu, Brutus?”