Faça a Bruxa de Blair Voltar

O fascínio da geração Z pelo terror analógico.

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Em 1895, quando os irmãos Lumière fizeram a primeira exibição pública do cinematógrafo, os presentes ficaram apavorados com a projeção da chegada de um trem em sua estação – pelo menos, é o que diz a anedota. Gostamos de pensar que, em séculos passados, a humanidade era tão burra quanto um passarinho dando cabeçadas em superfícies espelhadas.

Tem uma cena em “Hugo”, do diretor Martin Scorsese, que me parece uma representação mais provável do ocorrido. Quando o trem se aproximou da tela, os espectadores tomaram um susto e, então, soltaram risos nervosos. É a reação humana numa sessão qualquer de filme de terror – a assombração nos faz pular na cadeira e, em seguida, voltamos à vida real, rindo do nosso ridículo.

Muito antes do cinema, o termo “suspensão da descrença” já era utilizado na literatura e no teatro – isto é, para ler “Frankenstein”, por exemplo, é preciso aceitar a premissa de que tal criatura feita de cadáveres remendados pode existir, mesmo que não possa. E este acordo com o fantástico é um processo tão natural da vivência humana que o fazemos sem nem perceber.

Assim sendo, somos plenamente capazes de manter em mente duas ideias opostas ao mesmo tempo: Frankenstein existe, Frankenstein não existe; o trem está vindo em nossa direção, o trem não está vindo em nossa direção. Por que achar que os nossos antepassados eram tão ingênuos e simplórios?

C. S. Lewis e Owen Barfield chamavam de “esnobismo cronológico” a ideia de que “a humanidade enganou-se por incontáveis gerações nos erros mais infantis em todo o tipo de assuntos cruciais, até que foi redimida por um parecer científico do último século.” Nós, que estamos vivos, aqui e agora, somos os detentores do pleno saber.

Imagine, então, estar vivo, aqui e agora, e já ser vítima de esnobismo cronológico. Há alguns dias, me deparei com o vídeo de um jovem que tentava explicar o sucesso da campanha de marketing de “A Bruxa de Blair”, cujo lançamento completou 25 anos. Em 1999, ele dizia, a internet era incipiente e acreditávamos em tudo.

Para quem é jovem e/ou não sabe, “A Bruxa de Blair” conta a história de três estudantes de cinema que se perdem numa floresta ao filmarem um documentário sobre a lenda de uma bruxa local. Foi feito com um orçamento baixíssimo e é discutido até hoje por ter “viralizado”, antes mesmo deste termo surgir.

Eu tinha 12 ou 13 anos quando visitei o site que falava dos “estudantes desaparecidos”, isto é, os personagens retratados como se fossem pessoas reais. Lembro, inclusive, de conferir na página do imdb que os nomes dos atores eram os mesmos. Já sabia que era tudo um filme de terror, mas parte de mim quis entrar naquela brincadeira.

Achei que uma produção tão obscura como aquela nunca seria lançada no Brasil, mas foi. Levei meus amigos de escola, que se contorceram de medo o tempo inteiro e depois ficaram bravos comigo pelo final abrupto – fui eu que escolhi o filme, então a culpa era minha. Eles não entenderam, não tinham convivido com os meses de burburinho e especulação.

Naquela época, a internet era um reduto nerd. Não “nerd” no sentido de homem crescido que reclama que uma personagem infantil não é mais sexy, mas “nerd” no sentindo de pessoa que não se encaixa no “mundo real” e que vai procurar a sua tribo online. Muitos não entendiam o apelo, pois tiveram a sorte de se contentar com o que já estava disponível ao redor.

Tendo vivido lá, posso dizer que as pessoas não eram burras em 1999. Sim, havia um ou outro desinformado que pensava mesmo que “A Bruxa de Blair” era real – como se a evidência de um crime fosse exibida num Cinemark da vida. Também tenho consciência de que defender a inteligência humana vem se tornando cada vez mais difícil, mas acredito que não há grande diferença de lá para cá.

Sim, fiquei ofendida com o jovem que insinuou que todo mundo acreditou em “A Bruxa de Blair” por sermos todos tontos naquela época, mas reparei também como as novas gerações são obcecadas pela tecnologia de outrora. “Faça Ela Voltar”, novo filme dos youtubers australianos conhecidos como RackaRacka, também contou com um site a la “Bruxa de Blair”.

No lançamento, que chega por aqui em agosto, a personagem interpretada por Sally Hawkins tenta repetir um ritual gravado em uma fita VHS de origem desconhecida. Aparentemente, os jovens amam a estética VHS. São vários os videogames independentes com algum filtro parecido. E tem ainda o chamado “terror analógico”.

Para quem é velho e/ou não sabe, “terror analógico” se refere a um gênero de vídeos do YouTube que utiliza uma estética retrô. Muitas vezes, fazem parte de um “ARG” (jogo de realidade alternativa), mas nem sempre – ARGs são séries de vídeos (ou apenas postagens de texto) que envolvem a participação do leitor/espectador.

Aqueles que participam sabem que aquilo é ficção, mas querem fazer parte da brincadeira. Parece familiar? O terror analógico se popularizou na década de 2010, mas segue firme até hoje. A A24 de “Faça Ela Voltar” também está produzindo um filme baseado na série de vídeos “Backrooms”, um dos expoentes do terror analógico.

Como alguém que se aproxima dos 39 anos, não posso me considerar jovem, não nos padrões da geração Z. Observando de fora, me parece que esse encantamento com a tecnologia dos anos 1980 e 1990 (ou mesmo com websites típicos do início do século XXI) tem a ver com a desilusão de viver em uma era em que nunca foi tão fácil conceber uma farsa – basta um prompt.

Por algum motivo, uma fita VHS, com os seus estalos e riscos, ainda nos parece imbuída de espírito, de humanidade. Até uma maldição é melhor do que um grande nada, do que a mais absoluta ausência de significado que a tecnologia tem a nos oferecer agora. A intenção, mesmo a maléfica, é prova de que há alguém do outro lado, de que não estamos totalmente sozinhos.

“Fale Comigo” não é só o título do longa de estreia dos RackaRacka, é um pedido encarecido.

🩷💜💙