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A conta não fecha em Amores Materialistas
Segundo filme da diretora de "Vidas Passadas" traz Dakota Johnson, Chris Evans e Pedro Pascal em triângulo amoroso mal resolvido.
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Homens beirando os 50 anos não aceitam namorar mulheres mais velhas do que 28. Elas também têm de ser atraentes – o índice de massa corporal não pode passar de 20 – e têm de ser fáceis de lidar, sem muitas exigências. Já as mulheres querem homens de, pelo menos, 1,80m de altura e uma renda de US$200 mil ao ano. Ah, também não podem ser calvos!
Esta é a Nova York de “Amores Materialistas”, onde os apaixonados declamam números e não sonetos. Interpretada por Dakota Johnson, Lucy é uma casamenteira que já uniu 9 casais – mas ela mesma não tem pressa para encontrar um namorado. Afinal, ela sabe melhor do que ninguém que o romance é uma transação de negócios. O amor raramente entra na equação.
Na festa de casamento de uma de suas clientes, Lucy conhece Harry, um solteirão vivido por Pedro Pascal. No ramo dela, ele seria considerado um unicórnio, isto é, um homem bonito, inteligente, charmoso e riquíssimo. Mesmo assim, ela só está interessada em recrutá-lo para a sua agência. Harry, por sua vez, fica intrigado com a perspectiva nua e crua de Lucy.
A conversa dos dois é interrompida por um garçom. Chris Evans interpreta John, um aspirante a ator que faz bicos no serviço de buffet para pagar as contas – ele é o ex-namorado de Lucy. Está formado, portanto, o triângulo amoroso de “Amores Materialistas”. De um lado, a promessa fria de uma vida confortável. Do outro, um amor sufocado pelos ressentimentos das dificuldades financeiras.
Caso seja necessário explicar, quando duas pessoas de classe média se envolvem, até uma nota de R$10 pode ser motivo de estresse. Dinheiro não compra a felicidade, mas soluciona as picuinhas cotidianas. Ninguém se atrasa procurando por um estacionamento com preço razoável. Ninguém briga porque o parceiro recusou um trabalho chato, mas com bom salário.
Então, o que é melhor? Aceitar um relacionamento sem amor, mas também sem o estresse constante de não saber como a fatura do cartão vai ser paga no mês seguinte? Ou um relacionamento amoroso, mas acompanhado das infindáveis agruras proporcionadas pelo capitalismo do século 21?
A diretora e roteirista Celine Song demonstrou a sua expertise do triângulo amoroso no elogiadíssimo “Vidas Passadas”, um dos melhores de 2023. “Amores Materialistas”, no entanto, é tão indeciso quanto a protagonista Lucy – não sabe se é uma comédia romântica em tom satírico, ou se é um romance dramático de estilo naturalista.
A estranheza já começa nos primeiros minutos – um preâmbulo com um homem das cavernas ofertando um buquê de flores para uma mulher das cavernas. Parece uma sequência que deveria ser acompanhada por uma narração irônica sobre a origem do casamento, mas é filmada com a mesma seriedade de alguma outra obra contemplativa da A24.
Há montagens rápidas dos clientes de Lucy com pré-requisitos absurdos, no mesmo ritmo de uma cena cômica de “speed dating”. E, então, temos o abraço demorado que Lucy dá em John ao reconhecê-lo na festa. A câmera que permanece com o casal quando ele, vagarosamente, acende o cigarro dela. Estamos no mundo real ou não?
Alguns críticos mencionaram o subgênero da “screwball comedy” ao tratarem de “Amores Materialistas”. Apertando os olhos, até consigo enxergar a altivez gélida de Catharine Hepburn em “Núpcias de Escândalo” (1940) na impessoalidade cínica de Dakota Johnson (veja bem, estou comparando os papéis, não as atrizes).
Em “Cupido é Moleque Teimoso” (1937), Irene Dunne tem de escolher entre o agito com o sofisticado, porém malandro, Cary Grant ou a devoção monótona de um caipira ingênuo, encarnado por Ralph Bellamy. Em “Amores Materialistas”, é evidente que Pascal, lindíssimo em seu smoking, seria o Grant da história.
Essas comédias clássicas, contudo, não se passavam no mundo real. Eram situações exageradas, com figurinos extravagantes, filmadas em estúdio – até os passos dos atores soam diferente. A artificialidade só adicionava ao fascínio em torno dessas estrelas, fabricadas tão minuciosamente durante a era de ouro de Hollywood.
Já em “Amores Materialistas”, Song segue pelo caminho do naturalismo que é característico do cinema independente, como em “Vidas Passadas”, mas sem conseguir se desvencilhar por completo das convenções mais comerciais. Assim, os momentos de maior sinceridade emocional (e são vários) são perturbados pelos componentes mais fantasiosos do filme.
Na metalinguagem, há a adesão ao código do gênero que é objeto de estudo, como Peyton Reed fez com “Abaixo o Amor” (2003), ou uma ruptura total, como Paul Thomas Anderson fez com “Embriagado de Amor” (2002) – ambos são excelentes em suas propostas. “Amores Materialistas”, infelizmente, não está nem lá nem cá.