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Em defesa dos pornógrafos
A censura é um instrumento da manutenção do poder. Aquilo que não se conforma ao padrão representa um perigo ao domínio dos poderosos.
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Nesta semana, um grupo australiano conseguiu pressionar operadoras de cartão de crédito para censurar jogos de conteúdo adulto. Com centenas de ligações enfurecidas para a Mastercard, o chamado “Collective Shout” obrigou a remoção de títulos diversos das plataformas da Steam e da Itch.io (esta última mais voltada aos criadores independentes).
Em sua descrição oficial, o grupo busca combater a “objetificação e a sexualização de mulheres e meninas”. Uma causa razoável, certo? Na realidade, são reacionários combatendo seja lá o que definirem como pornográfico – em geral, narrativas envolvendo a representação de personagens LGBTQIAP+ ou até de temas sérios como distúrbios alimentares.
São “feministas” ao estilo da autora de “Harry Potter”, que há tempos financia uma cruzada de extrema direita, mas camuflada de preocupação com os direitos das mulheres. Em resumo, é um grupo transfóbico que não se importa se alguns artistas que sequer tratam de questões de gênero forem também prejudicados. O que vale é a aparente vitória em mais uma batalha cultural.
Esta manobra não é inédita. O lado de lá sempre se valeu de causas que, sobre a superfície, qualquer pessoa comum poderia compreender. Quem acha que crianças devem ter livre acesso a qualquer tipo de conteúdo violento ou perverso? Quem é favorável à propagação da pedofilia? A questão é que, na direita, estas causas todas valem da boca para fora.
Atacam a diminuta comunidade trans, mas são padres, pastores e policiais que mais vão presos por abuso sexual de menores. Há décadas, fabricam pânicos morais contra filmes, videogames, bandas e até brinquedos, mas deixam o discurso incel e a apologia nazista correndo soltos nas redes. Inventam toda sorte de bicho-papão com o propósito de proteger os verdadeiros monstros.
A censura é, invariavelmente, um instrumento da manutenção do poder. Tudo aquilo que não se conforma ao padrão pré-determinado representa um perigo ao domínio dos poderosos. Assim, a arte é perigosa porque nos faz vislumbrar circunstâncias diferentes. Adolescentes puritanos falam em acabar com “cenas de sexo desnecessárias”, mas se esquecem das outras normas do Código Hays.
No início da década de 1930, grupos religiosos impuseram regras aos estúdios de Hollywood para evitar a representação daquilo que considerassem imoral ou indecente. Uma destas regras proibia, por exemplo, relacionamentos românticos entre personagens de raças diferentes. Afinal, era necessário manter a América branca.
O lema Trumpista de “torne a América grande de novo” se refere a isto. Uma América branca, cis e heterossexual, onde homens como ele possam continuar fazendo o que bem entendem sem lidar com consequências. Recentemente, o Wall Street Journal descobriu uma carta de Trump a Jeffrey Epstein, magnata condenado por operar uma rede sexual e “suicidado” na cadeia.
Na carta, Trump dizia ter muito em comum com Epstein e encerrava dizendo:
“Feliz aniversário – e que cada dia possa ser outro segredo maravilhoso!”
Ao longo dos anos, Trump fez inúmeros comentários com relação ao seu gosto por mulheres mais novas. Se vangloriou, inclusive, de entrar no camarim do concurso de Miss Teen USA para ver as adolescentes peladas. Em outra ocasião, foi gravado dizendo que agarrava as mulheres “pela xoxota”. Mesmo assim, foi eleito. Duas vezes.
Desde que favoreça os amigos bilionários, Trump pode fazer o que quiser. Pode cancelar programas de televisão críticos a ele. Pode impor que a inteligência artificial nunca mencione desinformação ou a mudança climática. Pode, inclusive, ameaçar a soberania de outros países e atacar o pix – para que nós também fiquemos à mercê dos termos impostos pela Mastercard.
E onde estão os grupos anti-trans que dizem defender os direitos das mulheres? Cadê os “gritos coletivos”? Mirando criadores de joguinhos independentes.
“Imoral” é mesmo um conceito muito elástico.