Juntos e trauma now

Com os lançamentos "Juntos" e "Faça Ela Voltar", jovens cineastas seguem na toada traumática de Ari Aster.

Vamos ficar juntos! Apoie o meu trabalho! 

Ainda que “Juntos” mire no subgênero do body horror, o verdadeiro culpado não é David Cronenberg, mas Ari Aster. Já nos cinemas, o terror estrelado pelo casal Dave Franco e Alison Brie, com direção do estreante neozelandês Michael Shanks, lembra mais “Midsommar” do que “A Mosca”.

Na trama, Franco interpreta Tim, um músico malsucedido que passa por um momento delicado em seu relacionamento com a professora Millie, papel de Brie. Atormentado por pesadelos relacionadas à morte traumática de seu pai e à subsequente insanidade de sua mãe, Tim não consegue mais fazer sexo com a namorada.

Mesmo assim, ele topa acompanhá-la até uma nova cidade, onde Millie recebeu uma proposta de trabalho. Perto da nova casa – sabe Deus quem está pagando por uma propriedade como aquela, considerando que o casal depende do salário de uma professora do primário – há uma trilha na mata, toda demarcada com sinos misteriosos.

É nessa trilha que os destinos de Tim e Millie vão se entrelaçar para todo o sempre. Como disse em meu vídeo, não é spoiler contar que, por um meio misterioso, os corpos dos dois vão começar a se misturar. O pôster do filme mostra um beijo do casal em que os lábios inferiores estão unidos, como se fosse um único pedaço de carne.

É tudo uma metáfora bastante óbvia de codependência e relacionamentos tóxicos. Os dois não conseguem ficar separados por muito tempo, sentem uma atração sobrenatural e, quando cedem ao desejo, eles se grudam. Grudam até virar uma coisa só, numa aniquilação amorosa das duas identidades.

A explicação disso tudo é tão simplória quanto a metáfora. Dá para ver as “revelações” surgindo quinze minutos antes de acontecerem. Em dado momento, por exemplo, Tim vê a foto de uma personagem de cabelo rosa e, no mesmo instante, já sabia como aquilo seria usado mais tarde. Os sinos, o copo d’água – tudo é o que você imagina.

Como um trabalho de estreia, é ok. As cenas são bem feitas, é um conceito interessante, ainda que não tão bem explorado. Só faltou mesmo algo que surpreendesse. A piadinha com a música das Spice Girls não foi suficiente. Fiquei pensando, no entanto, na necessidade de imputar um trauma – a terrível palavrinha mágica – ao personagem de Franco.

Em “Midsommar”, logo no começo do filme, toda a família de Dani comete suicídio. Ela se vê sozinha no mundo, a não ser pelo namorado. Ele, contudo, tem uma viagem marcada com os amigos – ela acaba indo junto por pena, não tanto pela companhia. Na verdade, ninguém queria ela lá.

O terror de Ari Aster, lançado em 2019, trata de uma protagonista enlutada, que é seduzida por uma seita. O sofrimento dela é o que desencadeia toda a trama, todo o seu comportamento. Em “Juntos”, porém, o trauma de Tim parece estar ali só para criar umas ceninhas perturbadoras a mais.

É claro que, em qualquer relacionamento sério, temos o receio de repetir os mesmos erros de nossos pais. Portanto, se “Juntos” pretende discutir a dinâmica do casal, o histórico familiar dos dois tem a sua relevância – é que toda a parte relacionada ao trauma de Tim poderia ser descartada. Não faria diferença.

Na quinta-feira (21), temos a estreia de mais um terror com personagens traumatizados pela morte horrenda de um pai. Em “Faça Ela Voltar”, os meio-irmãos Andy e Piper vão viver com uma mãe adotiva (a espetacular Sally Hawkins) depois que o pai dos dois sofre um derrame – mas não basta morrer repentinamente. A cena tem de ter requintes de crueldade.

Dirigido pelos irmãos Danny e Michael Philippou, de “Fale Comigo”, “Faça Ela Voltar” é um filme tão implacável no quesito trauma, mais parece um cosplay de Ari Aster. Muito bem feito tecnicamente, mas de uma desolação tão desmedida que é mais como uma pose, uma vontade desesperada de impactar, e não tanto um ponto de vista próprio (como havia, por sinal, em “Fale Comigo”).

Tanto “Juntos” como “Faça Ela Voltar” não estão apenas seguindo a cartilha do chamado “terror elevado” (trauma, trauma, metáfora, trauma, trauma), mas imitando Ari Aster, especificamente. É óbvio que o terror tem de tratar da morte e de eventos traumáticos, mas nem Ari Aster anda fazendo terror como Ari Aster. Sonhem seus próprios pesadelos.

🩷💜💙