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O rebranding de The Rock
De olho no Oscar, Dwayne Johnson abandona os filmes de ação para estrelar drama do diretor Benny Safdie.
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Há alguns anos, Tom Cruise é referenciado como a “última estrela de Hollywood” porque a sua carreira remete a um período em que as pessoas iam ao cinema para ver “o filme do Tom Cruise” e não, digamos, a trigésima quinta produção da Marvel em que as pontas soltas das 34 produções anteriores vão ser, finalmente, arrematadas.
Reconhecemos as feições de Chris Evans e Chris Hemsworth, mas seus nomes não parecem chamativos o suficiente para atrair o público quando se trata de um roteiro original – “Materialistas”, por exemplo, não é “o filme do Chris Evans”, mas “o filme com o Chris Evans, o Capitão América, sabe?”.
Em uma pesquisa de 2023, perguntaram quais atores mais motivariam uma ida ao cinema. Em primeiro lugar, Cruise. Em segundo, apareceu Dwayne “The Rock” Johnson. De cabeça, sei que o ex-lutador fez “Jumanji”; aquele filme de ação pós-apocalíptico; aquele filme de ação baseado num jogo de fliperama, com um gorila albino de CGI; e aquele outro que a Netflix jura que quatro trilhões de pessoas assistiram, mas ninguém nunca nem menciona.
Fez algum “Velozes e Furiosos”? Acho que sim. Ah, e teve aquele fracasso retumbante, o herói do raio lá. Não lembro o nome. Fiz questão de não puxar a ficha técnica, para que fique clara a minha percepção da carreira do ator até então – ou seja, um nada. Nunca alguém comprovou tanto a tese de Martin Scorsese de que alguns filmes são como atrações dos parques da Disney.
Na pesquisa, a lista de estrelas de Hollywood segue com nomes de atores que chegaram à fama, sobretudo, por volta dos anos 1990, como Tom Hanks, Brad Pitt, Denzel Washington, Julia Roberts, Will Smith, Leonardo DiCaprio etc. – o que só torna a presença de Dwayne Johnson ainda mais absurda, embora Kevin Hart (!!) também apareça em décimo.
Se há desdém em meu tom é por frustração, é por ver um ator que poderia utilizar a imensa fama para produzir qualquer projeto e que, repetidas vezes, se rendeu a algum comercial disfarçado de filme – Patrick (H) Willems dedicou um vídeo inteiro a isto, celebridades que se tornaram embaixadoras das próprias marcas, agindo mais como influencers do que como atores.
Johnson, contudo, já deu início ao seu rebranding, uma volta de 180 graus. Afinal, a Academia adora premiar os que já foram esnobados pela crítica, mas que fizeram uma escolha ousada e surpreenderam a todos; aqueles que se tornaram irreconhecíveis ou que fizeram um enorme esforço físico para interpretar um papel – e se for baseado numa história real, melhor ainda.
“Coração de Lutador – The Smashing Machine” preenche todos esses requisitos. Adam Sandler pode não ter levado a indicação por “Joias Brutas”, mas o diretor Benny Safdie (irmão de Josh Safdie, com quem dirigiu a tragicomédia sobre o dono de uma joalheria de Nova York) pode conseguir a do “The Rock”. Imagine a alegria das redações de entretenimento.
No drama, Johnson interpreta Mark Kerr, lutador supostamente lendário da UFC, que lidou com o vício em analgésicos entre o final da década de 1990 e começo dos anos 2000 – tudo isto durante um relacionamento tóxico com a esposa Dawn, vivida por Emily Blunt, que também está de olho na estatueta dourada.
A guinada dramática do ator pode parecer inusitada, mas é também o único rumo que Johnson poderia tomar depois de tudo que já fez (quero dizer, o “tudo” que, mais acima, eu chamei de “nada”). É uma tendência já nem tão recente assim.
Ano após ano, há sempre a narrativa do “underdog”, ainda que seja difícil de imaginar o ator como um coitadinho, como um azarão castigado pelo tempo como Brendan Fraser em “A Baleia” ou decadente como Pamela Anderson em “The Last Showgirl”.
Mais do que qualquer outro ator do filme, Johnson está gigante. Geralmente, estrelas de Hollywood priorizam os músculos da cintura para cima, que são os mais expostos, mas “The Rock” está milimetricamente esculpido, dos pés até a testa volumosa – esta incrementada com prostéticos que lhe fazem o enorme favor de conter a canastrice natural de suas sobrancelhas.
E faz um bom trabalho, mas também não é nada revelatório. Pode parecer arriscado para a marca familiar de Dwayne Johnson interpretar um brutamontes viciado, mas é um drama padrão, feito para ganhar prêmios e gerar burburinhos sobre a entrega ao papel, o compromisso com a transformação física e toda essa ladainha. É um risco calculado, muito calculado – e, portanto, seguro.
Em “Coração de Lutador”, há uma tigela japonesa feita com a técnica kintsugi, de quando algo quebrado é emendado com ouro, justamente para apreciar as imperfeições que tornaram aquela peça única – uma metáfora bonita para aqueles que se refazem em meio à crise, e de uma delicadeza contrastante com o massacre sem sentido das lutas de UFC.
Johnson pode ter se dedicado de corpo, mas não foi tanto assim de alma. Mesmo num papel mais risqué, ele parece emocionalmente contido. Se há algum ouro nessas fissuras, não reluziu. É preciso que a peça se espatife no chão mais algumas vezes.